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sábado, 22 de agosto de 2009

«A Tragédia Portuguesa» - 'Dos mitos às realidades' (1820-1975) - Jorge Babo - Editora Ulisseia


«A Tragédia Portuguesa»
'Dos mitos às realidades'
1820-1975
Jorge Babo
Editora Ulisseia - 1991
Depósito legal nº 51 443/91
ISBN 972-586-206-6

Tomamos a liberdade de transcrever as duas últimas páginas desta obra ímpar ( 259-260 )

«OS CAMINHOS DO FUTURO»


Portugal levou 156 anos a adaptar-se ao figurino democrático.

A sucessão de mitos terminou com o abrilismo.

Hoje existem, finalmente, as condições básicas para o funciona­mento real do sistema de sufrágio, para um equilíbrio genuíno dos centros de Poder, para a existência de um grau de consciencialização aceitável do cidadão comum, para a existência de meios de comunica­ção minimamente independentes, para a usufruição, no dia-a-dia, das liberdades fundamentais.

A oligarquia concreta, disfarçada de democracia, deu  lugar, pela  primeira vez, a um esquema democrático, frágil, imperfeito, inacaba­do, inexperiente e ameaçado, oscilando ainda entre a tentação autori­tária e o sobressalto anárquico, mas autêntico, assente nas componen­tes sociais indispensáveis, com Direita, Centro, Esquerda, o sistema mais adequado à maneira de ser do Português, cosmopolita, generoso, pacato, hospitaleiro, sentimental, sociável, bonacheirão, individualis­ta, apegado às suas coisas.

Nesta mudança de século, coincidente com o início de uma revolu­ção, à escala mundial, só comparável à que se desencadeou entre o fim do século XVllI e o princípio do século XIX, o nosso destino é o desta Nova Europa, expurgada dos velhos fantasmas e em luta por um lugar ao sol no planeta Terra, em gestação rapidíssima.

O grande problema do Povo Português, no seu conjunto, é o da abertura imediata e sem qualquer hesitação a uma nova mentalidade, em consonância com o novo contexto em que vivemos.

Como?

Antes de mais nada, assumindo, em pleno, a verdade - o único processo de vacinação eficaz contra o regresso das mitologias.

O trabalho sectário de falsificação da História, por imposição de guerras extintas, deixou de ter sentido. Democracia significa maiori­dade e, assim, direito à verdade, seja ela qual for, por mais implacável que surja relativamente às "histórias edificantes" e aos múltiplos "mi­lagres de Ourique", com que se foram compensando as frustrações co­lectivas.

As grandes massas provincianas entraram, finalmente, no concerto nacional.

Terminada a Guerra Fria e, com ela, os álibis cómodos, a sociedade dita ocidental, de que fazemos parte, terá de se transformar, por uma questão crucial de sobrevivência, enfrentando os dois tumores malig­nos que ameaçam destruí-la: a anarquia e o banditismo.

A democracia, assentando a lei na legitimidade do sufrágio livre, torna-se contraditória e absurda se permitir, seja de que maneira for, o desrespeito pelos preceitos institucionais.

Por isso, o ideal máximo do sistema democrático é o acatamento total da lei, porque só assim é garantida a vivência concreta da liber­dade pelo conjunto dos cidadãos.

Desde que exista sempre a possibilidade de, maioritariamente, se modificar a lei, a liberdade não sofre. Mas tudo se baseia na capacida­de de a fazer cumprir, sempre, pelos órgãos respectivos.

O banditismo, sob a forma máxima de crime organizado, incluindo tráfico de droga, prostituição, formas modernas de escravatura, desvio de menores, sequestro, homicídio e roubo, é um atentado permanente à liberdade dos cidadãos e tende a transformar a democracia numa far­sa, na medida em que, pela degradação concreta da vida quotidiana, principalmente nos grandes centros, cria uma situação de facto: a lei da selva. A disparidade dos meios de fortuna, única garantia de segu­rança pessoal, passa a dividir, da forma mais injusta e desesperadora, os diversos estratos sociais.

É absolutamente falso o 'argumento' de que a expansão da anar­quia e do banditismo é o preço inevitável da liberdade democrática, como é puro cinismo adiar as medidas urgentes, no sentido de a con­ter, para as "calendas gregas" da resolução futura de certos problemas freudianos, hipoteticamente na origem do crime.

A mobilização adequada da opinião pública e um investimento, a sério, nos meios sofisticados, já existentes, investimento retirado da manutenção da dimensão actual de umas Forças Armadas, apenas vo­cacionadas para a defesa de um território que ninguém ameaça, seriam mais do que suficientes para reduzir à ínfima espécie essa nova lepra, em contínuo crescimento entre nós, de há uns.20 anos a esta parte.

A pergunta pertinente, crucial, que hoje se põe é esta: chegados ao fim deste percurso de século e meio, semeado de 'sangue, suor e lá­grimas'; obtida, enfim, a normalização da vida nacional, vamos cair nos mesmos erros das nações que caminharam à nossa frente?

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