Em grego clássico «liturgia» significava 'obra pública' ou 'serviço social'; por exemplo a construção de uma nave cujo custo se imputava a um particular opulento. A palavra adquire sentido cultual na tradição grega do Antigo Testamento chamada dos LXX. S. Paulo usa o termo 'liturgo' para designar uma função social quando se refere aos cobradores de impostos (Rom 13,6); em linguagem moderna dir-se-ia 'funcionário'.
No Novo Testamento, quando os tempos litúrgicos se referem a judeus ou a pagãos, designam ações rituais: são sacrifícios o de Abel (Heb 11,4),os que se ofereceram ao bezerro de ouro (Act 7,41) e os do sacerdote de Zeus em Listra (Act 14,13); é 1iturgia o serviço de Zacarias no templo (Lc 1,23), e mencionam-se utensílios litúrgicos (Heb 9,21); são culto os Jejuns e orações de Ana no templo (Lc 2,37), ou as cerimónias rituais dos judeus (Rom 9,4).
Mas quando o Novo Testamento aplica estes termos aos cristãos, liturgia, culto e sacrifício são a própria vida; nunca nos evangelhos nem nas cartas dos apóstolos se usa para indicar uma celebração em comum (só em Act 13,2 se dá uma exceção possível: o verbo derivado de liturgia emprega-se em ligação com um jejum, sem mais precisar a que se refere ). Não há dúvida que os cristãos celebravam juntos a eucaristia, mas o nome que lhe davam não era 'culto', antes 'fração do pão', expressão hebraica que significa 'comer juntos': 'pão' designa todo o alimento, e o facto de o 'partir' indica que se 'reparte' entre os comensais.
O culto, o sacrifício e a 1iturgia do cristão são, pois, a fé e o amor fraterno, a entrega a Deus e a dedicação ao próximo. Em outros termos, sua vida concreta e inteira, projetada em duas coordenadas: fé e caridade.
A projeção de uma realidade em duas coordenadas não a fende. A fé-caridade é a sístole-diástole da vida cristã. A fé é o ponto de vista claro que orienta a perceção da realidade inteira. Ensina a ver o mundo como campo de ação do amor de Deus; é olhar surpreendido que descobre Deus num mundo translúcido, onde ele está presente e atua. O amor de Deus por cada um revela-se como uma concretização matizada e original do seu amor por todos. A resposta do homem há de ser global: não se articulam o sim a Deus com o não ao homem; não colhe sentir-se perdoado, sem perdoar, nem sentir-se amado sem amar. Na frase de S. João: "Amar o Pai significa amar os que são seus filhos", isto é todos os que creem (l Jo 5,1). O culto a Deus no Novo Testamento não ocupa um sector da existência; antes toda a existência; não se exercita com ritos especiais, mas com o próprio viver; não requer atividades peculiares, antes a criatividade e a dedicação próprias do interesse mútuo. «Portanto, o que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles, porque esta é a Lei e os Profetas", (Mt 7,12). É um culto e um sacrifício existencial, no qual o homem se oferece
a si mesmo na sua circunstância histórica. Enquanto existencial, é um reflexo do sacrifício de Cristo.
O cristão unido pelo batismo ao Bom Pastor, vivendo a fé recebida, trabalhando pela construção de um mundo melhor, sem injustiças, sem desigualdades, sem divisões, prolonga no presente o triunfo do Ressuscitado.
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