sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

«Emergência do Imaginal e a Palavra Perdida» - 'Quinta da Regaleira - Outubro de 2008





Emergência do Imaginal e Palavra Perdida

A  Alberto Castro Ferreira


I

“Hypothesis non fingo”

Os pressupostos que conduzem à presente redacção deste estudo são:

a) A sua inclusão no Livro de Actas;
b) os elementos relevados no texto de Basarab Nicolescu;
c) a minha condição de mestre-escola, que levou a não encontrar outro valor na investigação senão o de poder ensiná-la.
Faço-o em Matemática, Filosofia, e Ecologia Humana, em cadeiras de vertente histórica e problematizante;
d) a, também minha, condição de cooperante – Angola, Cabo Verde, Timor -, que me leva a tintar o processo histórico das suas colorações ideológicas e geográficas.

Este texto é apologético.
Tenta observar como, em contexto(s) científico(s), se dá a emergência de níveis de realidade, ou mundos.
Compara duas tradições do Número.
Demonstra não saber distinguir a palavra perdida da palavra ausente.
Relata a odisseia do Pensador Lima de Freitas, na dupla vertente de «velador» no desvelar da Tradição, e de artista, qual novo Escher, constantemente solicitado pela comunidade científica.
Conclui, enfim, com os modos como venho a ensinar os trabalhos de Lima, mormente o «515», em dois continentes.



II

“Vox Zenonis”

1.
Talvez por constantemente se defrontarem com o paradoxo, todos os Lógicos que conheço são homens livres.
Como tal, vivem inventando sistemas alternativos. Este parágrafo será um contraponto a Basarab Nicolescu – até em lógica.
Sem o terceiro incluído pode haver emergência; a qual não será de níveis de realidade, mas antes :

a) de tipos lógicos [que são simultaneamente entes de discurso e ontologias regionais] – recordemos a carta de Russell a Frege, e a consequente reescrita do labiríntico paradoxo de Epiménides, numa linguagem formal.
A hierarquia dos tipos é infinita, mas três são bastantes para a matemática e para as outras linguagens naturais (Bateson tê-lo-á deixado dito nas entrelinhas, e Peirce também).

b) de «mundos», no sentido das lógicas modais, que se ocupam da ambivalência dos termos «possível» e «necessário». Trazidas para o ensino em Lisboa por Nguyen Van Minh, cada uma destas lógicas (em número infinito não contável) distingue-se das outras pela resposta a perguntas tais como: “será que o necessariamente possível é possivelmente necessário?”. Positiva ou negativa, a resposta conduz a dois universos de discurso («mundos») diferentes.

2.

“Baby Universes”

Antes de abandonar a Ciência por uma carreira empresarial, Hugh Everett III escreveu The Many Worlds Interpretation of Quantum Mechanics, uma novidade espistemológica (que não foi rejeitada com a habitual violência), e que faz o Universo bifurcar a cada colapso da função de onda, e, por extensão, a cada acto volitivo.
A substituição do conceito de universo pelo de multiverso é defendida por pensadores como Michael Heller, colega de Karol Wojtila em Krakow e astrónomo papal em Castelgandolfo.
A inspiração mais eloquente é a resposta de Tryon:
“- O que é o Universo?
- É uma dessas coisas que, de vez em quando, aparece (acontece) no vazio.”

A um vácuo puramente negativo sucedem, pelos cenários quânticos, ideias (todas elas dificilmente incompatíveis) como a inflação, as teorias de tudo, as cordas e as membranas. Mais consensual, o advento do Nigredo:
- “Black holes” são observados;
- 96% do universo ponderável não se manifesta sobre forma física.

“O resto é silêncio”

3.

“Mysterium Conjunctionis”

Uma ideia nova pode dar-se ,às vezes, pela síntese ou complementaridade entre dois pensadores. Pelo menos três vezes, tal ocorreu em torno ao mundo imaginal:
-Categoria terceira, secretamente incluída entre o sensível (Malkuth?) e o inteligível (Binah?), foi assim nomeado após o encontro, com um milénio de distância, entre Corbin e Sohrawardi.
-Pelo menos outras duas vezes a gestação deste conceito terá ocorrido como encontro (iniciação recíproca?):
a) entre Rumî e Shams de Tabriz – o malamati (mal amado?);
b) entre Ibn-Arabî e Ibn-Rushd, assumindo, desta feita, a forma de uma cisão.
É o mundo imaginal contexto para este livro e encontro, que se passa num dos mundos em que operava Lima de Freitas.
Dada a situação geográfica, a Oriente de Sintra, em que tal emergência se deu, prefiro pensar no mundo imaginal como uma “via levantina” para o Saber.
4.

A distinguir crucialmente da “via gótica”, que tão bem descreve o comportamento da comunidade científica, como foi configurado por Karl Popper.
Chamo “gótica” à sua teoria dos três mundos, apesar de concebida em Auckland, nos antípodas.
Gosto de objectar ao mais nobre dos seus livros, “The Self and its Brain”, escrito a quatro mãos com John Eccles. O propósito da obra é metafísico - identificar “The Seat of The Soul” – e o argumento é biológico:
Havendo cessado a evolução física do homem, à luta dos genes sucedeu a dos “memes” de Dawkins – neste caso, as teorias científicas – cujo timbre é a refutabilidade.
Ficam então desenhados o mundo I (de novo Malkuth?), de que trata a Ciência, o mundo II, de conteúdos indefinidos entre a psicologia e a metafísica, e onde a alma (se existir) terá o seu trono (Netzakh?).
O mundo III é o Jurassic Park onde infindavelmente combatem as teorias científicas num vector tempo que ostensivamente aponta para novas parcelas de verdade (Geburah?).
A história da Ciência ocorre como uma espécie de paleontologia desse mundo em acelerada evolução.
Ocorre perguntar, com John Horgan: se o Universo, o número dos seus entes, as leis sobre eles, o tempo de emergência e o conteúdo da totalidade das ciências forem finitos, o que acontecerá à evolução quando esbarrar no muro de tal finitude? Será necessário inventar um mundo IV?

III.

1.

«À vol d’oiseau», Samos é mais próximo de Safed do que pelas avenidas do espírito. Lima de Freitas enveredou, ao longo da sua obra, por artes tão diversas como o Pitagorismo e a Cabala, que têm por referente comum o Número.
Para Pitágoras, o Número identifica-se à forma, para os cabalistas, à palavra. Um trimestre seria o necessário para explicitar essa diferença.
2.

Quem for ao “Light and Sound” de Karnak ouvirá contar como Germanicus conheceu “o último homem em Tebas que fazia falar os hieróglifos, e estes cantavam uma antiga glória, maior que a de Roma”.
A Pedra de Roseta é o renascimento duma linguagem perdida.
De modo não dissemelhante, a história do Ponto da Bauhütte conhece três momentos:

a) O olvidar da sua construção;
b) O reinventá-la, por Almada Negreiros;
c) A correcção de b) por Lima de Freitas.

Trata-se de um problema de segundo grau, solúvel pelo esquadro e compasso. O contexto em que este problema e as suas soluções foram vividos é o do pensamento pitagórico.

3.

Que precauções devo tomar quando quero ensinar o “515”? Os alunos, nessa altura, já terão lido Spengler ou a “Histoire Universelle des Chiffres” de Ifrah. Sabem que os números e os símbolos variam com as civilizações. Conhecem as medidas dos tempos e ângulos, na base sexagesimal dos povos de Elam e Sumer; sabem que a sua transposição, para os ângulos do pentágono (72º/108º) obriga aos algarismos indo-árabes (equivalentes, nesse ponto, aos do Egipto mas não aos de Sumer); e que cálculos como o do valor secreto são efectuados na tradição grega como na hebraica, mas só nesta última é possível a transposição de ABC para CBA; e que quem assim fizer será um cabalista e não um matemático; assim como aquele que separa o algarismo A do termo BC.
Só então chega a aula do 515 e o livro de Lima de Freitas. Da magnitude da sua aplicação no ensino da ciência egípcia tratarei no ponto último.




4.

Um cuidado profiláctico que recomendo aos meus estudantes, fora de Timor: comparar qualquer catálogo de números (o melhor é o de Le Lionnais; em português, temos o de Wells, na Gradiva) com um bom dicionário de símbolos~Gheerbrandt,por exemplo..
Os registos atribuídos aos mesmos entes não são de natureza comensurável. Com isso, os estudantes ficam precavidos de demonstrar uma erudição outra que a do Departamento em que são avaliados.

IV.

“ All novelty is but oblivion”

1.
O derradeiro aforismo de Wittgenstein remete para aquilo que afirmo ser a insolubilidade da questão da Palavra Perdida.
Não sei como nem quando distingui-la da ausência ou do silêncio. Irei exemplificar em duas ordens de registos. Será a Palavra Perdida um mitologema, ou um invariante das sociedades humanas de complexidade suficiente?

2.

Falarei aqui por alegoria. É dito que no Santo dos Santos, onde só o Nabi e o Cohen Gadol podiam entrar, uma palavra se inscrevia – e desapareceu com a Arca.
Sabe-se que, submetido à tortura, o construtor do primeiro Templo não pronunciou a Palavra; penhor disso, o grau menor de majestade, quando este foi reerguido por Herodes.
Ainda hoje se discute o que quis dizer o agonizante de Golgotha.
Por exemplo, um estudioso como Moisés Espírito Santo afirma que chamava por Elias, e que este não estaria longe.
Quantas injunções da Palavra Perdida, só em Al-Qods!
A Oriente de Jerusalém, os Tibetanos são categóricos: as reformas filosóficas e religiosas dão-se pelo reencontro com os Tertôn, textos escondidos como tesouros ,e que são destinados a aparecer em tempo oportuno.
A sul do Potala, o Dr. Ganeshayam Marda é lapidar: toda a ciência médica foi ensinada por Brahman ao primeiro homem, e subsequentemente olvidada. O pouco que remanesce chama-se é Ayurveda.
Na mesma Poone, assim como noutra cidade da índia, contemplei duas estátuas – palavra esculpida – declaradamente anteriores à Criação…

3.

Perdida ou ausente,na história da ciência,está a prova de Fermat que a estrita margem de Euclides não englobava.
Mais recentemente,é Gauss a criar o estilo de omitir os andaimes que permitem construir a perfeição formal das suas provas.
Cabe-me contar um caso,no éculo passado.
Por um daqueles acasos do destino semelhantes ao que conduziu Carter e Carnavon ao Vale dos Reis, sou levado à interpretação de um espólio muito rico e completamente desordenado, intacto em Reguengos de Monsaraz.
António Gião (1906-1969), autor de 150 títulos, correspondente de Einstein, De Broglie, Schrödinger e do malogrado Majorana, é hoje tão desconhecido como Tutankhamon o terá sido milénios adiante.
A sua posteridade também parece marcada por uma maldição – é todo o processo do Centro de Cálculo Científico que dirigiu na Gulbenkian que foi tragado pelas inundações de 1967; são as actas do Conselho Escolar da Faculdade de Ciências, que, à data deste escrito (Maiol 2009) teimam em não aparecer; mas nada disso é grave, pode ser reconstruído.
Apenas não o será a continuidade das quase ilegíveis “Notes autobiographiques pour éclaircir les raisons de mon échec” – que levei 10 anos até conseguir transcrever parcialmente –pois interrompem-se ao fim de 21 páginas, condensando outros tantos anos, um terço da sua vida. Terão algum dia sido escritos mais páginas? Estarão perdidas?
Qualquer que seja o sucesso do meu trabalho, ele é irrelevante; poderia ser corroborado - ou refutado – por mais páginas, caso hajam sido escritas ou pensadas…
É assim, na Saudade dessas páginas, que vou lendo e relelendo ,laborando sem orar. E ocorre inverter o apólogo;
“Scripta volans, verba manent”.




V.

A autobiografia de Gurdjieff exprime-se pelo cruzamento com homens (e uma mulher) notáveis.
Vou cronologizar alguns dos encontros de que me foi dado aperceber, onde Lima de Freitas esteve presente, e cujo traço permanece tão visível:

1.

Com Almada Negreiros, como foi analisado por Celina Silva, e opto por não desenvolver.

2.

Com Max Holzer, magistrado austríaco, com traumática passagem por um Gulag, discípulo de Mme de Salzmann, que veio a Espanha estudar Zurbarán, e a Portugal para ler Pessoa.
Levado por Delfim Santos a José Marinho (conta António Telmo), bate à porta do IADE a visitar Lima de Freitas. Com Holzer trabalhou pois parte da fina-flor da Filosofia Portuguesa.
Uma frase ficou, dum homem tão parco em elogios:
«A verdade mais profunda não está em Almada, mas em Lima de Freitas».

3.

Enquanto Director-Geral de Acção Cultural, Lima de Freitas trouxe Raymond Abellio, alguém cuja relação com a política de Vichy permanece ambígua, e que, iniciado por Pierre de Combas, introduziu a aplicação da Cabala aos idiomas latinos; o que não será da preferência dos Doutores de Safed.
Da palestra que proferiu – soube-o no Colóquio da Regaleira – saiu inspiração para a tese de José Gulherme Abreu. Na altura, indo eu a França, Castro Ferreira encaminhou-me para o grupo de matemáticos que trabalhava com Abellio.
Respondia pelo nome de SYSTEMA; lá se aplicava uma metodologia aritmética para a modelação das formas – contrastando com René Thom, cuja morfogénese é continuista.
A qualidade duma semente conhece-se pelo seu fruto. A sede do grupo era a École Nationale Supérieure des Techniques Avancées, uma instituição militar onde era dado a cientistas fazer o seu serviço sem ir à guerra, como objectores de consciência.
Quero recordar três nomes:
-Hervé Le Guyader, historiador da biologia;
- Laurent Nottale, cosmólogo, autor do modelo fractal do Universo, fractalidade essa que estendeu ao processo de hominização, num argumento que direi teleológico e antrópico, no melhor sentido, o de Teilhard;
-Jean-Pierre Luminet, cosmólogo, defensor dum universo periódico no espaço e de módulo zonaedral, que há um ano encenou na Gulbenkian o Colóquio “A Ciência terá Limites?”, havendo entretanto ganho a medalha de ouro de divulgação científica, na mesma cerimónia – não olímpica – em que Nuno Crato mereceu a de prata.
,
4.

Uma sequência de eventos, iniciada em Córdova, por Michel Cazenave enquanto director da France Culture, culminou em 1983 em Tomar, no encontro sobre Cavalaria Espiritual e Conquista do Mundo. Três notas:

1 o início de uma história de amor entre Gilbert Durand e Portugal;
2 a presença de Vitorino Magalhães Godinho;
3 a ausência da outra metade, a da Cavalaria Oriental – faltou assim Amin Maalouf, não considerado pela organização, assim como Boutros-Ghali.

Talvez a remediar essa ausência, a palestra de Lima de Freitas foi a única a falar sobre um Oriente, o da Etiópia do Prestes João.





5.

O Labirinto padece de uma matemática mais complexa do que a Física clássica.
Talvez por isso, foi um professor da Maison des Sciences de l’Homme, Pierre Rosenstiehl, que apresentou tal matemática na FCSH da UNL. Autor da obra de referência em Portugal, Lima de Freitas compareceu, e data desse momento o início da praxis sistemática de Lima na interacção com a comunidade científica.
Meses depois, Lima falou no seminário sobre o mesmo Labirinto, na Fundação Gulbenkian.

6.

Foi também na Gulbenkian que teve lugar o Fractal 90, cuja organização Lima de Freitas integrou. Dessa realização ficou o cartaz – os “Fractais Imperfeitos”, assim como o “Cavaleiro Fractal”, que defende a casa de Basarab Nicolescu -, e a memória da conversa de despedida, quando Lima de Freitas levou ao aeroporto o casal Mandelbrot.

7.

Era esse o momento em que se falava de “fusão a frio”. Seria um processo alquímico?
Por via das dúvidas, chamou-se (da cervejaria por baixo da Associação Portuguesa de Informática) o especialista, José Manuel Anes.
Nasceu aqui uma colaboração sobre “O outro Newton”, editada por duas universidades – Évora e Fernando Pessoa.
Nasceu aí também a integração formal de Lima de Freitas numa Muito Respeitável Ordem Iniciática.

8.

Na sequência do Fractal 90, visitou Portugal Mário Markus, um cientista chileno radicado em Dortmund. Veio instalar-se, pois procurava um ambiente provinciano para dedicar-se à Arte. As suas imagens do Caos representam o expoente de Lyapounov. Quando negativo, temos o determinismo laplaciano; sempre que é positivo, ocorre o Caos – inverno nuclear, tsunamis, quedas da bolsa, etc.
A qualidade plástica das suas imagens – é Markus que o conta – viria a inspirar-se de numerosas conversas com Lima de Freitas.
Recordo com emoção o diálogo entre ambos no PROFMAT 92, em Viseu, onde contracenaram com Guilherme Valente e José Vitória, muito para além do horário, perante uma plateia jovem.

9.

De novo na Gulbenkian, o encontro com István Hargittai, (o químico que procurava estribar no conceito de Simetria a unificação do entendimento humano), foi lugar para um momento de sincronicidade entre a descoberta dos “Penrose tilings” (padrões de simetria pentagonal, nunca periódicos) na natureza e o tema do pentágono, associado ao 515.

10.

Não se estranhará portanto que Hargittai haja estado presente em 1994 na Arrábida, aquando do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade. Quinze anos depois, é tempo de fazer um balanço.
No programa da Arrábida constavam os autores orientais (Adónis, Dariush Shayegan), mas não compareceram à chamada. O vector foi resolutamente ocidental, e optou-se pela francofonia. Um segundo congresso teve lugar no Brasil, dando origem à Mensagem de Victória. O próximo será no Quebeq.
O mais pujante núcleo transdisciplinar-defendo- de ensino é o que ficou impresso na letra das duas universidades de Cabo Verde.
Com Nicolescu, a investigação nesta área voltou à Roménia. O centro de irradiação dos textos continua em Paris, e os autores seguem a rota da mestiçagem.
A penetração no mundo gótico (o da Ciência, cuja única língua franca vem sendo, desde 1989, o inglês) é reduzida.
Em Portugal, onde soprou o Verbo criador, a Transdisciplinaridade não prosseguiu após Lima de Freitas.
Desapareceu em Mestrados como o de Ecologia Humana, dano colateral do vendaval que sopra de Bolonha. Apenas a palavra permanece em dois (!) Departamentos de Pedagogia que resistem ao «eduquês».
E é justamente no estatuto da palavra que reside a maior adequação ao Português, única língua em que «transdisciplinar» pode ser verbo, adjectivo e nome, dispensando o afixo “idade”
Mas a verdade é que a primeira década do terceiro milénio não terá sido, entre nós, a idade de transdisciplinar.

VI.

Como exprimir, nas aulas, algumas das ideias e muitos dos autores acima?
Focarei dois pontos, um devido a Mário Markus, o outro a Lima de Freitas.

1.

“Ages in Chaos”

Se adoptar como definição de Caos o expoente de Lyapounoff (outras são possíveis) e reverter o tempo, então os sistemas deterministas – o Universo, o Sistema Solar, etc., quando revividos “backwards in time”, tomam o sinal positivo naquele expoente e ficam indecifráveis; é o mistério das origens, irredutivelmente comum ao universo físico e ao humano (pelo menos no que diz respeito à modelação matemática).
A crescente amplitude na diferença entre as ontologias subjacentes às teorias cosmológicas ilustra soberanamente este ponto.

2.

“O tempo teme as pirâmides”

Ninguém sabe como foram construídas as Pirâmides. Ou melhor, aqueles que sabem discordam uns dos outros (como se verá nas páginas do nº 106 da revista “Les Cahiers de Science et Vie”, consagrado às Pirâmides).
Quando começou a poderfalar-se das “duas culturas”?
Com Boécio, Galileu, C.P. Snow? O que venho estudando leva-me a sustentar que foi no Egipto.
O papiro Rhind de Ah-Moseh (a transcrição Ah-Moshe, como fazia meu Pai, faz supor que fosse de origem judaica) anuncia “a linguagem para revelar todas as coisas, visíveis e invisíveis”.
Dir-se-ia um Galileu no tempo dos Faraós. O papiro trata de aritmética: a decomposição das fracções da forma 2/N em soma de fracções do tipo 1/N, as únicas para as quais os Egípcios tinham notação. Além disso, a escrita dos hieróglifos, com numerais representando ordens de grandeza, é limitada: por N símbolos diferentes, o maior número representável é (10^N )-1.
A conclusão é que a matemática egípcia não permitiria aceder ao Número de Ouro e ao pentágono – que como Lima de Freitas tão bem demonstrou, estão patentes na sua arte.
Desde Arquimedes e Vitrúvio que a linguagem da engenharia civil é a matemática. Ora, para Imhotep, a matemática existente não era a linguagem adequada à construção das Pirâmides.
Ou não havia linguagem, ou era outra…
Duas culturas, portanto!
Os enquadramentos pedagógicos para enquadrar esta problemática são dois:
1 uma tese etnomatemática,
2 uma teoria constructal.
Qualquer que seja o enquadramento, o mistério continua intacto .–
E é a partir deste ponto que os estudantes não irão esquecer o nome de Lima de Freitas, quando confrontados com a imagem do erguer do Djed, na altura das cheias do Nilo, a um ângulo de 72 graus.



VII.

“Mehr Licht!”

Sou um profano, ao contrário de alguns dos leitores. Vou levar a consequência deste pensamento ao cerne de uma Ordem Iniciática, desejando que possa brilhar uma Luz Maior. É sabido que alguns “bons aprendizes mas maus companheiros” – aqueles que ensinam conheceram alunos destes – agrediram Hiram Abif, Arquitecto do Templo. Exigiram-lhe a Palavra e ela foi silenciada.
Em singela memória do meu Pai, que andou por terras de Israel e Egipto, e que sabia do que falava, quando falava, talvez não fossem muito diferentes os povos, a sua demografia, língua e cultura, nas nações de então que bordam, a Norte e a Sul, o Monte Sinai.
Se assim foi, a matemática de então era insuficiente para descrever a construção de um Templo, no que tal edificação poderia ter de comum com a das Pirâmides.
O derradeiro parágrafo foi da minha lavra, assim como o próximo: então não saberei nunca se a Palavra de Hiiram Abif existiu e foi silenciada; ou se foi dita, ou escrita jamais, por total impossibilidade linguística.

Mistério, entre outros, com que Lima de Freitas se confrontou.






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