segunda-feira, 29 de junho de 2009

'E hoje é mais um Dia de África'





«África Rumo a um Futuro»
    Tertúlia Cultural com,
     Alunos africanos da 
«Universidade Católica»
  25 de Julho de 2007

Oradores:
Leopoldo Amado
Professor Zi-Kerbo (PULULU)
Diácono Alberto Castro Ferreira






segunda-feira, 22 de junho de 2009

"In Memoriam" de José Régio





"In Memoriam" de José Régio


Escrito por Henrique Veiga de Macedo

 homenagem que se segue, prestada ao "Poeta da Encarnação" (assim o escrevera num dos seus livros Álvaro Ribeiro), teve lugar na Assembleia Nacional, em 29 de Janeiro de 1970. Do seu autor, H. Veiga de Macedo, há que não esquecer quão ligado esteve a uma obra multifacetada e vastíssima em prol do povo português. Assim, por exemplo, enquanto Subsecretário de Estado da Educação Nacional (entre 23 de Julho de 1949 e 8 de Julho de 1955), altura em elaborou e executou o Plano de Educação de Adultos, no qual se integrou a Campanha Nacional de Adultos. Ou ainda, enquanto Ministro das Corporações e da Previdência Social, entre 8 de Julho de 1955 a 4 de Maio de 1961. Em suma: um homem de "alma lavada e fronte erguida", cuja autenticidade se espelha no vivo e intenso testemunho que dera do Poeta das Encruzilhadas de Deus.

Palavras proferidas na sessão da Assembleia Nacional, de 29.1.1970.


Ainda bem que nesta Casa se evoca, com palavras trespassadas de justiça e emoção, a memória de José Régio e se presta eloquente homenagem à sua preclara figura de intelectual de eleição e à sua multímoda obra de poeta, de prosador, de educador.


Este meu sentimento não nasceu agora, andava já no meu coração. Há bem pouco chegou-me às mãos, com as palavras de uma honrosa e generosa dedicatória do autor, o último livro de Álvaro Ribeiro, esse extraordinário pensador que da vida tem feito sacerdócio todo votado à cultura, à «restauração do perene significado da filosofia» e à «demonstração de que existe uma filosofia portuguesa e, mais ainda, de que existe um modo português de filosofar».

Deixai-me ler, de modo a ficarem bem registadas, como merecem, na nossa inteligência e na nossa sensibilidade, estas afirmações da carta que acompanhou esse livro admirável, intitulado precisamente A Literatura de José Régio:

" Por este mesmo correio, tenho o gosto de oferecer a V.Ex.a um exemplar do meu livro A Literatura de José Régio.


Poeta de alta estirpe intelectual, José Régio foi já comparado a Camões. Morreu, e creio que nenhum funcionário representativo do Estado compareceu ao funeral, aliás religioso. Em vida não foi mais do que um modesto professor liceal; em espírito uma glória da Pátria e um ferveroso servidor de Deus."

Álvaro Ribeiro tem razão, e é sob a impressão forte das suas palavras que ousei pedir licença para interromper a voz autorizada do ilustre Deputado que é a do professor Silva Mendes, velho amigo dos tempos, para mim inesquecíveis, da Campanha de Educação Popular em que pudemos, um e outro, e muitos, muitíssimos mais, trabalhar pela expansão do ensino e pela ascensão cultural do povo português. Não podia de modo algum – agora que estou a retomar contacto com o pensamento e a arte de um dos nossos maiores escritores contemporâneos e me é possível avaliar, uma vez mais, a profundidade do seu espírito aberto e inquieto em busca da verdade –, não podia de modo algum, dizia, deixar de me congratular por ver esta Câmara dar público testemunho da respeitosa veneração e do vivíssimo apreço devidos pelos homens justos, quaisquer que sejam as sua crenças religiosas ou ideias políticas, ao poeta da Encruzilhadas de Deus, ao romancista de A Velha Casa, ao dramaturgo de Benilde ou a Virgem-Mãe, ao crítico, ao ensaísta, ao pedagogo, ao pensador.

Na verdade, «de braços abertos para os seus contemporâneos que se dedicaram a estudos especulativos» – atrevo-me a reproduzir outra afirmação de Álvaro Ribeiro – inscrita no prefácio do livro que o mesmo me ofertou –, na verdade, «de braços abertos para os seus contemporâneos que se dedicaram a estudos especulativos, e de inteligência compreensiva para os seus ensaios mais tímidos ou mais ousados, José Régio mereceu de todos os pensadores sérios a bendição que lhe tem sido recusada por aqueles que se ocupam apenas de literatura. A obra de José Régio anuncia o advento de uma nova arte poética, tal como significou em notável e brunino opúsculo o novel filósofo António Telmo.

Mestre de uma geração ingrata, avançado precursor de uma literatura que ascende para tributos divinos, José Régio contribuiu para o entendimento final de que a palavra vive da sua relação com o pensamento».

Até por isto, numa Assembleia como esta em que a palavra só se legitimará se servir um pensamento e se este servir a vida portuguesa e a dignidade do homem nos seus mais profundos e permanentes anseios e direitos, seria imperdoável não se exaltasse, como está a fazer o Deputado Manuel de Jesus Silva Mendes, o glorioso poeta que foi José Régio. Que foi e que é, pois o seu grito de beleza e de bondade há-de repercutir-se pelos tempos fora, a despertar nos homens de boa vontade aqueles sentimentos puros e aquelas ideias nobres sem as quais não haverá no Mundo nem compreensão, nem paz… nem poesia.

H. Veiga de Macedo





domingo, 7 de junho de 2009

O Papa Pio XI defensor da dignidade humana




I Os homens contra o homem

«Na nossa época, já não depende das nações que as condições sociais deixem de ser iguais no seio de cada uma; mas depende delas que a igualdade as conduza à escravatura ou à liberdade, à cultura ou à barbárie, à prosperidade ou à miséria»

ALEXIS DE TOQUEVILLE

É uma grande data a de 1848. A Revolução tem uma amplitude inteiramente diversa da de 1830. Continua a Revolução de 1789, mas ultrapassa-a. Nascida na França, alcança a Europa: Prússia, Austria, Piemonte-Sardenha. Sem invalidar, antes pelo contrário, as pre­visões de Toqueville, vem complicar mais ainda a tarefa das «nações de nossos dias» («nations de nos jours»), no original francês de «De la Démocratie en Amerique» ). Eis que na paixão igualitária se enxerta a paixão social (socialismo), simultaneamente tradu­ção e estimulante dos antagonismos sociais, exasperados pela grande indústria. O Manifes­to Comunista (Manifest der Kommunistischen Partei) de Marx e Engels, publicado precisa­mente em Fevereiro de 1848, marca a esse respeito, uma das mais importantes balizas inte­lectuais do século.

Doravante, será desferido contra a tradição, sob todas as suas formas, especial­mente sob a sua forma nacional, um assalto de violência até então desconhecida. Até sus­citar, por reacção, um novo tradicionalismo, uma contra-revolução intelectual rejuvenes­cida, que haveria de apoiar-se no nacionalismo, na paixão nacionalista ferida em carne viva. A «Enquête sur la Monarchie«, de Charles Maurras, virá trazer-lhe, em 1900, a fórmu­la original.

A 'Enquête' respira o ódio das «ideias de 1789», da democracia parlamentar e li­beral. No entanto, entre 1900 e 1914, essa democracia não deixava de progredir, nos factos, na política prática. Parecia mesmo ter de incluir definitivamente o socialismo domestica­do, integrado. De modo que, quando Georges Sorel, escritor de extrema-esquerda, alias obscuro, etiquetado de sindicalista revolucionário, retoma sob um outro ângulo nas suas «Réflexions_sur la violence», editadas em 1908, o -requisitório anti-parlamentar, anti-liberal da extrema-direita maurrasiana -os adeptos sérios do socialismo vêem aí apenas um para­doxo . Aliás, não lêem o livro, de leitura penosa ainda por cima, apreciado somente por cer­tas minorias intelectuais. As ´Réflexions` só encontrarão a sua oportunidade histórica após a guerra de 1914-1918, ao desabarem tantos cenários parlamentares, ao desencadear-se a violência ideológica e material: violência de Lenine, violência de Mussolini, violência de Hitler. Então, graças sobretudo ao título, o livro de Sorel passará, retrospectivamente; por um grande livro profético. Tornar-se-à célebre, sem ser de resto muito lido, assim como o seu autor pouco conhecido.

Violência de Lenine : contra o reformismo social, contra o socialismo parlamentar, prega ele a conquista do poder, à força, pelo proletariado revolucionário. Este substituira o Estado 'burguês' pelo Estado proletário. Mas que é o Estado em geral, em si, senão a organização da violência, em proveito de uma classe contra uma outra? E quais são portanto, em face do Estado, as sucessivas tarefas do proletariado revolucionário? Eis o que Lenine explica em «O Estado e a Revolução», uma das mais significativas entre as numerosas e desi­guais obras de um homem que foi mais um génio da acção que um inventor intelectual.

Violência de Mussolini : violência de extrema-direita de um homem proveniente da extrema-esquerda; violência completamente empírica no início (seu programa exclusivo: a vontade de ´governar` a Itália) cuja doutrina se estrutura depois com o apoio do hegeliano de direita Giovanni Gentile. O próprio Mussolini trabalha para esse fim. O seu artigo na palavra ´Fascismo` na nova Enciclopédia Italiana expõe em grandes traços agressivos a ideologia política e social do regime. Todavia, não coube a Mussolini, mas a Hitler, seu discípulo alemão (discípulo ao menos segundo as aparências), a tarefa de escrever, alguns anos antes da conquista do poder, uma obra de doutrina e propaganda, «Mein Kampf («A minha luta»),votada ao extraordinário êxito que todos conhecem. No plano ideológico como no material, a violência atinge atinge então o delírio: o mais lúcido, o mais subtil dos delírios. Aí se exprime toda uma concepção do mundo ('Weltanschauung', como gostam de dizer os alemães ), dum mo­do perfeitamente insuspeitado do fascismo: concepção estranha e regressiva, que se ergue directamente em face da de K. Marx e que opõe à ´Classe` a ´Raça`.

II Conflitos e posições do espírito moderno

O espírito humano sofre por conseguinte imposições. São as imposições geradas justamente do enfraquecimento espiritual do homem em face dos múltiplos e complexos problemas vitais agravados a seguir à Grande Guerra, problemas cuja solução depende antes das energias es­pirituais da Pessoa Humana do que das forças materiais propostas pelos vários trans-per­sonalismos ou totalitarismos.

O espírito moderno, em geral, ressentiu-se da falta de posse da sua liberdade. Como que alienou de si mesmo, voluntariamente, a liberdade. Liberdade que é Deus no homem. Li­berdade que é o homem em Deus.

E essa alienação da liberdade não é, na força da expressão, uma alienação propria­mente dita, uma alienação radical, porque é um acto de cobardia, um acto de auto-aniqui­lamento, um suicídio espiritual.

É o paradoxo filosófico da liberdade que a Pessoa humana tem em si mesma, na sua essência, na sua alma, a liberdade de não querer liberdade.

Ao homem destes tempos falta, justamente, o equilíbrio da posição cristã. O homem destes tempos desequilibrou-se, pendendo para as falsas posições extremas, na sedução das místicas e no deslumbramento dos mitos. Essas místicas e esses mitos opõem-se ao Cristi­anismo. são tentações da matéria contra o espírito. são assomos do homem contra Deus. É o anti-espiritualismo. É o pseudo-espiritualismo, informado seja no culto da raça, da classe, da nação ou do Estado, seja no culto do 'chefe', da disciplina fanática, das encenações bé­licas e dos planos económicos.

Ao bem comum preside o salutar princípio de união, de integração, completando-se os homens entre si, para de si mesmos formarem um todo harmonioso. É o princípio cristão da comunhão, segundo o qual o homem não perde a sua personalidade, participando assim do Corpo Místico de Jesus.

No comunismo, na sociedade comunista, dá-se justamente o contrário; o homem, ne­gando a Deus, nega-se a si próprio, como valor espiritual, para reconhecer ou considerar­-se tão somente como valor material, dentro das realidades materiais do homem-colectivo, do homem-máquina, do homem-músculos.

Para o fascismo, o Estado é a verdadeira realidade do indivíduo, tudo está conti­do dentro do Estado. O homem, em si, não é nada, como não é nada o indivíduo nem a pessoa. O Estado, no fascismo, é o que no comunismo se designa por " homem colectivo " ou por " massa organizada ". Um e outro, porém, correspondem ao mesmo sentido da alienação do conceito de Deus no espírito humano, isto é, do Deus verdadeiro, do Criador supremo de tudo e de todas as coisas, o Deus dos cristãos.

Quando o amor da pátria se objectiva, simples e exclusivamente, no amor da raça, do clima e do solo, meros componentes materiais da pátria, como acontece com o nazismo, ge­ra-se um nacionalismo pagão e indigno, o nacionalismo da exaltação materialista de raças puras e de super-homens.

Daqui pode concluir-se que os regimes políticos em causa, em seus vários «ismos», ten­dem antes para a unificação do que para a união. É que os estatismos modernos pretendem u­ma unificação planificada pela vontade arbitrária de um, prevalecendo tiranicamente sobre a dignidade e a integridade de todos, o que é absolutamente anti-cristão, anti-humano, an­ti-moral.

III O Espírito contra o Leviatã

Determinismo selvagem da Raça, flor suprema e envenenada do Nacionalismo; determi­nismo pouco humano da Classe, quintessência do Socialismo, nascido no entanto do mais hu­mano dos protestos: assim se. constituiu a antiga 'Fatalidade'. Causam estragos os mitos, em que se combinam certeza pseudo-científica e certeza pseudo-religiosa, baseada numa pseudo­-revelação ou iluminação.

Contra essas novas mitologias, que esmagam a individualidade e a personalidade vai corajosamente reagir o extraordinário Papa Pio XI. Este grande Pontífice vai defender a liberdade e a dignidade da pessoa humana contra o bolchevismo, o racismo e o estatismo. Nesta pequena resenha pôr-se-á, propositadamente, de parte a complexa questão da " Action Française "

Em 6 de Fevereiro de 1922, Achille Ratti, cardeal de Milão, é eleito Papa sob o no­me de Pio XI. O ano de 1922 é fértil em acontecimentos favoráveis ao desenvolvimento dos três totalitarismos: o comunismo russo assina em 16 de Abril em Rapallo um pacto com a Alemanha, sendo ministro dos Estrangeiros da República de Weimar o principal accionista da A.E.G., Walter Rathenau, que será liquidado em 24 de Junho do mesmo ano pelos 'Corpos Francos' nazis; em 29 de Abril, Hitler é eleito presidente do partido Nazi; em 29 de Ou­tubro o partido Fascista, conduzido por Mussolini, inicia a marcha sobre Roma, tomando conta do poder.

a) Condenação do bolchevismo

Pio XI promulga em 19 Março de 1937, a encíclica «Divini Redemptoris« ,sobre o co­munismo ateu. O Papa recorda as condenações anteriores do comunismo por Pio IX e Leão XIII bem como as suas próprias encíclicas, «Miserentissimus Redemptor« (de 8 de Maio de 1928), «Quadragesimo anno» (de 15 de Maio de 1931), «Caritate Christi« (de 3 de Maio de 1932), «Acerba animi« (sobre o México, de 29 de Setembro de 1932; em 28 de Março promulgará ou­tra encíclica sobre este país em língua castelhana, intitulada ´No es Muy` e 'Dilectissima Nobis' (sobre a Espanha, de 3 de Junho de 1934). Com uma lúcida precisão o Papa descre­ve a doutrina comunista

9- - A doutrina que o comunismo hoje difunde sob formas tão sedutoras baseia-se substancialmente nos princípios do materialismo dialéctico e materialismo histórico, já pregado por Marx, cuja interpretação genuína só os teóricos do bolchevismo se gloriam de possuir. Esta doutrina ensina não haver mais que uma só realidade, a matéria, a qual sob o impulso de forças próprias, cegas e ocultas se faz, no decurso da evolução, árvore, animal, homem. (… ) . Tal doutrina, como é evidente, riscou a ideia de Deus e nega a diferença entre espírito e matéria, entre alma e corpo ( ... ). 15. Os pregoeiros do comunismo sabem também aproveitar-se de antagonismos ( ... ) introduzindo-se sorrateiramente nas Universidades para corroborar os princípios da sua dou­trina com argumentos pseudo-científicos. 36 - ( ..) O Cristianismo, que adora o Filho de Deus feito homem por amor dos homens, conhecido por" Filho do Carpinteiro ", e ele mesmo operário (Cf. S. Mateus, XIII 55; S. Marcos, VI,3.), exaltou o trabalho manual à sua verdadeira dignidade  38 - ( ... ) Não haveria nem socialismo nem comunismo, se aqueles que governam os po­vos não houvessem desprezado o ensino e os carinhosos avisos da Igreja; e não tentassem fa­bricar sobre as bases do liberalismo e do laicismo outros edifícios sociais, à primeira vista poderosos e de subida grandeza, mas que, sem alicerces sólidos, se vão miseramente desmoro­nando uns sobre os outros, como se desmoronara tudo o que não assente na pedra angular que é Jesus Cristo. 58 - ( ... ) O comunismo é intrinsecamente perverso e não se pode admitir em campo algum colaboração ( ... ). E se alguns, induzidos em erro, colaborarem na vitória do comunismo (...) chorarão amargamente na expiação do seu pecado ( . . . ) "

b) Condenação do racismo nazi

A encíclica «Mit brennender Sorge» - pela primeira vez na história do Papado, o texto oficial de uma encíclica era redigido em alemão - foi assinado em 14 de Março de 1937, cinco dias antes da «Divini Redemptoris». Mas o facto da sua existência foi mantido em segredo até ao Domingo de Ramos, 21 de Março, quando a encíclica «Mit Brennender Sorge» foi lida do alto da cátedra da Verdade em cada igreja paroquial do Reich. Durante a noite, os mensageiros tinham levado aos párocos um exemplar policopiado do texto e algumas instruções da parte dos bispos. Assim, a polícia secreta do Estado não pôde impedir os católicos alemães de ouvir a voz do Pai da Cristandade:

" Com viva inquietação e espanto, desde há muito seguimos com os olhos o caminho do­loroso da Igreja e os vexames cada vez mais graves sofridos pelo povo ainda fiel naque­la nação onde S. Bonifácio outrora levou a luminosa mensagem da Boa Nova de Cristo, - o Reino de Deus. (...)

" (...) Quem, segundo a concepção dos antigos germanos de antes de Cristo, toma o des­tino obscuro e impessoal pela Divina Pessoa de Deus, nega por isso mesmo a Sabedoria e a Providência de Deus ( ... )

" Quem prega da raça, ou do povo, ou do Estado, ou dos senhores do poder (...) para os deslocar da sua devida escala de valores e alçá-los ao pedestal onde os diviniza e lhes presta culto idólatra (... ) está longe da verdadeira fé em Deus e da concepção de vi­da correspondente a essa fê :

11 Acautelai-vos, Veneráveis Irmãos, com o abuso cada vez mais ousado do emprego na palavra e na escrita, do nome de Deus, três vezes santo, como legenda que se inscreve, oca de sentido, sobre qualquer criação, mais ou menos arbitrária, da especulação ou do senti­mento humanos (...).

" (...) Revelação, no sentido cristão do vocábulo, designa a palavra dada por Deus aos

homens. Empregar esta mesma palavra com o sentido de sugestões de sangue e de raça, de irradiações da história dum povo, é certamente criar um equívoco (...).

" (...) Os inimigos da Igreja (...) reconhecerão depressa que se alegraram cedo de mais e cedo de mais pegaram na enxada do coveiro. Por fim raiará a luz do dia em que a seguir aos hinos precoces dos inimigos de Cristo, se erguerá da terra para o céu, do coração e lábios dos fieis para o Deus das alturas, o 'Te Deum' de reconhecimento do Altíssimo e 'Te Deum' de alegria ao povo alemão (...).

" (...) Confiando Nele, não descansamos neste rezar e implorar (Col. 1,9) (...) pa­ra se abreviarem os dias da tribulação e serdes julgados fieis no último dia (...) 11

c) Condenação da estatolatria fascista

No início de Julho de 1931, o mundo foi surpreendido pela aparição de urna encíclica sobre o fascismo, e mais ainda pelas circunstâncias da sua publicação. Não foi em Roma, mas do estrangeiro, de França precisamente, que o texto foi distribuído aos bispos italianos e aos católicos do mundo inteiro.

Foram tomadas precauções especiais para manter secreta a existência da encíclica «Non abbiammo bisogno» - cujo texto era redigido em italiano - até ao momento de se encon­trar nas mãos dos bispos e de ser publicado na imprensa mundial. As autoridades italianas não podiam assim voltar a intervir com medidas de censura. A imprensa fascista procurou ainda organizar a conspiração do silêncio à volta da carta do Papa. Porém era demasiado tarde ! Publicada em 29 de Junho de 1931, nela Pio XI condena solenemente uma ideologia que se resolve em uma verdadeira e exacta estatolatria pagã:

« Eis-me em presença de todo um conjunto de autênticas alienações e de factos

(...) com o propósito  de monopolisar inteiramente a juventude, desde a primeira in­fância até à idade adulta, para plena e exclusiva vantagem dum partido, dum regime, assen­tando numa ideologia que, explicitamente, se resolve numa verdadeira e exacta estatolatria pagã .

Uma concepção que faz pertencer ao Estado as jovens gerações, inteiramente e sem excepção  não é conciliÁvel para um católico com a doutrina católica ( ... ) "( .•. ) que resta pensar ( ... ) duma fórmula de juramento que impõe às próprias crianças a obrigação de executar ordens sem discutir a resposta, do ponto de vista católico, e mesmo puramente humano, é inevi­tavelmente única : um juramento semelhante, tal qual existe, não é lícito .

IV A Igreja,  Mãe e Mestra da Humanidade

Caractirizou-se Pio XI pela sua obstinada e inflexível oposição a toda a forma de racis­mo. Colocou a sua missão sob o signo da mais profunda conciliação, adoptando por divisa:

" Pax Christi in Regno Christi "; pregando a paz à Sociedade das Nações, aos chefes de Estado, aos soberanos do mundo inteiro, através de um enorme acervo de sermões, alocuções e encíclicas Em 1938, três semanas após a visita de Hitler a Roma, a Itália decretou medidas raciais inspiradas nas da Alemanha. O primeiro a protestar contra elas foi o Papa Pio XI, em du­as alocucões, respectivamente nos dias 15 e 28 de Julho. O último discurso foi publicado na íntegra, dez dias depois, na primeira pagina do " Osservatore Romano ".

Três dias antes da visita de Hitler a Roma tivera Pio XI o desassombrado gesto de ir para Castelgandolfo, declarando publicamente que o ar da cidade se tornara irrespirável!

Porém, inesquecíveis ficarão para todo o sempre as suas palavras pronunciadas aos pe­regrinos belgas a 6 de Setembro de 1938, com lagrimas nos olhos: « O anti-semitismo é inadmissível espiritualmente somos todos semitas». Observe-se que nem o li Osservatore Roma­no li nem a li Civiltà Catolica li mencionaram sequer uma palavra dessa audiência! ...

Com o exemplo dado pelo Vigário de Jesus Cristo, é natural que muitos católicos se sentissem com força para escrever, tanto e tão bem, acerca da liberdade da pessoa humana!

A título de exemplo e como sentida homenagem cita-se os nomes do Padre Joaquim Alves Correia e de Jacques Maritain. O nosso compatriota, decerto apoiado pelo Cardeal Patriar­ca D. Manuel Gonçalves Cerejeira, (ele próprio um entusiasta do Magistério de Pio XI, o que se pode constatar facilmente pela sua tão bela serie de Obras Pastorais), publicou, em 1931 »A Largueza do Reino de Deus ou de como a intolerância e o despotismo são apenas va­riações do Anticristo proteiforme». Quanto ao autor de «Primaute du Spirituel», entre tan­tas e fundamentadas obras que nos deixou, quem não relê com alegria e acção de graças a sua obra «Humanisme Intégral», editada em 1936, e que constitui um verdadeiro guia da arte de navegar com verticalidade ente Cila e Caribdes?!


BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA

ARENDT, H. - Le systeme tota1itaire, Paris, 1972

BEA, A. - La chiesa e i1 popolo ebraico,Roma, 1966.

CEREJEIRA, M. G. - Obras pastorais, Lisboa, vários anos.

CORREIA, J.A. - A Largueza do Reino de Deus, Lisboa, 1931.

DE TOQUEVILLE, A.- A Democracia na Amêrica, Lisboa, 1972.

DENZINGER, E. - E1 Magisterio de la Ig1esia, Barcelona, 1955.

FONTENELLE, R - Sa Saintetê Pie XI, Paris, 1937.

GOYAU, G. - Sa Saintetê le Pape Pie XI, Paris, 1937.

MARITAIN, J. - Humanisme Intêgral, Paris, 1936

RUAS, H. B. - A moeda, o homem e Deus, Lisboa, 1957.

TALMON, J.L. - The origins of tota1itarian democracy,Jerusa1êm, 1951.

VALDOR, L. - O Cristianismo perante o racismo, Lamego, 1943. - VALDOR é o pseudónimo que ROMANO GUARDINI usava na rede da «resistência ao nazismo dentro da Alemanha

_Documentation Catholique (1931).

- A Igreja e a Acção Católica perante o Comunismo e a Estato1atria moderna

( Enc. S.S. pio XI ), trad. Valente Pombo, Porto, 1937.

- La Personne humaine en pêril, Semaínes Socía1es de France, XXIX Sessíon, 1937.


ALBERTO CASTRO FERREIRA ( 1988 )


De «DIÁRIO DE MIGUEL TORGA» do XII Volume



COIMBRA,19 de Julho de 1974-Tem sido de caixão à cova. Pobre país! E o que estará ainda para vir! Mas não posso, nem quero, perder o pé na pátria. Terei de enfrentar o absurdo desta hora infeliz mesmo com ganas de voltar costas a tanto e tanto desconcerto. O pacto que assinei não foi com o azar das circunstâncias. Foi com a terra portuguesa. E continuo a sentir a terra debaixo dos pés, e a poesia continua a cantar dentro de mim. O meu espaço de liberdade é o mapa de Portugal subentendido na folha de papel onde escrevo.

COIMBRA,7 de Abril de 1975-Os estrebuchões que a pátria dá no hospital revolucionário a que a reduziram! Necessitada de uma clarividente terapêutica revitalizadora, ninguém esperava vê-la do pé para a mão transformada de norte a sul num desesperado corpo convulsivo. Mas somos assim: ou tudo ou nada. Ou amodorrados numa sonolência de morte,ou possuídos de uma agitação frenética. Ou catalépticos, ou atacados da doença de S. VITO. O espetáculo que damos neste momento ao mundo não é o de um povo que se esfoça por atualizar ousada e sensatamente a sua vida retrógrada. É o de um manicómio onde enfermeiros improvisados e atrevidos submetem nove milhões de concidadãos a um electrochoque aberrante e desumano.

-Bragança, 1 de Maio de 1975- Pareço um fiscal a percorrer a Pátria. Passo por Foz Côa, e apresso-me a ir ver se a igreja manuelina ainda se aguenta nos alicerces; chego aqui, e subo ao castelo, entro na Domus Municipalis, visito o museu, de coração apertado, não as tenha o diabo tecido; amanhã em Miranda, Deus sabe as desilusões que me esperam na rua da Costanilha. É que o Portugal que valia a pena, o Portugal original, o Portugal de rosto singular, está por um fio. Em cada terra resta apenas um vestígio. E são esses fragmentos de uma fisionomia própria que inventario incansavelmente. É com eles que os vindouros poderão reconstruir a nação que já houve. Lineu partiu também de um simples osso.

COIMBRA, 20 de Junho de 1975- Estranha revolução esta, que desilude e humilha quem sempre ardentemente a desejou. A mais imunda vasa humana a vir à tona, as invejas mais sórdidas vingadas, o lugar imerecido e cobiçado tomado de assalto, a retórica balofa a fazer de inteligência. Mas teimo em crer que apesar de tudo valeu a pena assistir ao descalabro. Cuidavam que combatiam pelo futuro e, na verdade, assim acontecia, mas apenas na medida em que o sonhavam como se ele tivesse de ser coerente com a dignidade do seu passado de lutadores. O trágico é que um futuro sonhado não passa de uma ficção. O tempo é o lugar do inédito. O futuro autêntico é sempre misterioso e autónomo das premissas de que partiu. Quando chega, traz os seus valores, as suas leis, a sua gente, nem boa nem má. Traz os títeres que lhe convêm. Ou pior: os títeres a quem a hora convém.
Chaves,11 de Setembro de 1975

Pátria sem rumo, minha voz parada
Diante do futuro!
Em que rosa-dos-ventos há um caminho
Português?
Um brumoso caminho
De inédita aventura,
Que o poeta, adivinho,
Veja com nitidez
Da gávea da loucura?
Ah, Camões, que não sou, afortunado!
Também desiludido,
Mas ainda lembrado da epopeia...
Ah, meu povo traído,
Mansa colmeia
A que ninguém colhe o mel!...
Ah, meu pobre corcel
Impaciente,
Alado
E condenado
A choutar nesta praia do Ocidente.



quinta-feira, 4 de junho de 2009

«O Elogio da Inquietude» - Fernando Pereira Marques

«O absoluto não é deste mundo e não é comensurável a este mundo»
Emannuel Mounier, ´O Personalismo'








         «O ELOGIO 
    DA INQUIETUDE»
Fernando Pereira Marques
Capa: Miguel Horta
A Regra do Jogo, Edições
Lisboa, 1985
156 págs.
nº da Edição: 24/85
Depósito legal: nº 10.085/85


«Importa libertar as ideologias dos seus trajes usados, desbotoados, e aprender a ser radical colocando nos museus as ideias radicais que as revoluções mataram. Provocatoriamente direi que da história do pós-guerra na Europa ocidental um único evento se destaca pela sua radicalidade: Maio de 68, por tudo aquilo que não foi e não teve. Não foi liderado por nenhum partido nem por nenhuma classe, não conduziu à transformação do regime e do sistema, não visava o Poder nem o conquistou, não teve nenhum, a Longa Marcha nem qualquer assalto a palácios de Inverno.»


«A beatitude dos crentes só é compreensível nos domínios do espírito e da contemplação que ficam além - ou aquém? - da Sociedade e da História. É tempo de constatar que Deus morreu, mas também de que não adianta pôr no seu lugar, como fizeram os pensadores burgueses ou os do proletariado, nem a Razão nem o Progresso. O elogio da inquietude, deverá ser, como o da loucura de Erasmo, o da lucidez crítica da contemporaneidade tornar-se, se possível, uma teoria social crítica.»

«As ideias esvaem-se e ficam as liturgias. As palavras secam e tornam-se fantasmas delas próprias. Socialismo, comunismo, social-democracia, liberalismo, sobrevivem e permanecem, presas da inércia e da própria ambiguidade que existe no facto dos homens precisarem, ao viver em sociedade, de referências, mitos, memórias, receosos que estão do desconhecido»

FPM

Há que pedir mais ousadia, como alguém pediu mais luz. Luz, já possuímos a do Sol, que para Turner era Deus e que fazia dizer a Victor Hugo: «Sou latino, Amo o Sol!»



ÍNDICE

O ELOGIO DA INQUIETUDE

I -A HISTÒRIA NÂO È O LUGAR DA FELICIDADE

II - À CONQUISTA DO CÈU

III  - PODER E PODERES

IV - VIVER DIFERENTE

CONCLUSÂO

OBRAS REFERIDAS






«Não lhes faremos a vontade» - Romeu de Melo






  «NÃO LHES FAREMOS 
        A VONTADE»
       ROMEU DE MELO

CAPA: CORREIA DE PINHO
            
            COLEÇÃO
IMAGINAÇÃO E PENSAMENTO

LIVRARIA QUADRANTE 
    DISTRIBUIDORES
     LISBOA - 1970
TIPOGRAFIA PENINSULAR
188 pags.



«...Um dia, os homens concluíram que já não conseguiam , pelo estudo do passado , compreender o mundo em que viviam. Condecoraram a História , por bons serviços prestados , e fundaram a 'Prospectória' . A partir daí , os acontecimentos mais complexos , insólitos e inesperados passaram a ser compreendidos através do estudo do futuro .

Convém fazer notar que , de início , a 'Prospectória'  existia sem que as pessoas disso se apercebessem . O tipo de literatura que pela primeira vez a utilizou era então conhecido pelo nome nem sempre respeitado, de 'ficção científica' ou , noutros casos, de  'antecipação' .
(Prefácio histórico à 'Prospectória da Literatura Correlacional' , no ano 2012 d . C . ) .

Romeu de Melo


                                          Índice

Não lhes faremos a vontade

O estranho caso de José Olímpio

A encruzilhada

O encontro

Já sabíamos tudo

A partida

Que se passou na Ordem Psiquiátrica?

«A K » - 'A TESE E O AXIOMA' - Romeu de Melo






      «AK» 
'A TESE E O AXIOMA'
   Romeu de Melo
Porto- 1959
Edição do autor
Composição: 
Tipografia «Primavera, Ltd
169 págs.



O rapazinho estudioso sentiu um estremecimento interior, e ficou a pensar se seria aquele o sinal.

Ele temia um sinal, mas não sabia qual a sua forma nem a sua cor... As suas convicções tinham de ruir, e um monstrozinho interior - a deceção e o descrédito dos outros - havia de surgir-lhe na sua frente, para lhe dizer:

- Acorda! Todos os ideais da tua juventude se consumiram...

- Acorda! Acorda! Já és um homem.

E depois, pensava o rapazinho estudioso, o monstro havia de aparecer na sua frente, bamboleando-se como um arlequim pantomineiro, com os guizos a chocalharem e o seu chapéu de muitos bicos a dançarem-lhe na cabeça. E diria ainda:

- Estás acordado? Então, rapazinho estudioso, vai dizer pelo mundo que os que costumam sonhar - como tu fazias - ainda terão de haver-se comigo. Diz-lhes que lhes aparecerei na frente, para contar- lhes uma história feia, e convidá-los a abrirem os olhos da maturidade e da experiência.

Passados uns minutos de angústia, o menino estudioso revoltou-se contra aquela sua imagem. Quis expulsar de vez o monstrozinho que ele mesmo criara dentro de si, e gritou - lá para dentro do seu íntimo:

- Vai-te monstro! E vai tu dizer, aos jovens de todo o mundo, que eu serei eternamente jovem. Diz-lhes que eu nunca «abrirei os olhos» para desconfiar dos homens, e viver num mundo de esclarecida mesquinhez .
Anda ! - gritou com mais força, para dentro de si . - Vai contar a todo o mundo que jamais serei adulto!


                                                    ÍNDICE

I - AK´
II - O FOGUETÃO
III - A NOVA INCÓGNITA
IV - ACÇÃO E REACÇÃO
V - OS IRMÃOS
VI - O CÉREBRO
VII - A GRANDE FAMÍLIA
VII - O PRESENTE E O FUTURO
VIII - A GRANDE FAMÍLIA
IX - PLANOS E PROJECTOS
X - O GOLPE
XI - O DIÁLOGO
XII - A 'PÁTRIA'